sexta-feira, 1 de abril de 2011

texto Corpo heterotopos: ação, projeção, ocupação na pesquisa do geperformancepoa

O projeto Corpos heterotopos: ação, projeção, ocupação foi concebido inicialmente para ocupação do espaço de exposição do Museu de Arte Contemporânea de Jataí/GO, Brasil, no Programa de Exposições do edital 2009[1], com o tema “Como você ocuparia/desocuparia este lugar? – ou ainda “Qualquer um poderia ter nascido Sophie Calle...”
Projeção em tempo real em 2009, desde o Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil.

Corpos heterotopos: ação, projeção, ocupação.




Niura Borges[1]
Patricia Soso[2]
Rosemary Brum[3]



O presente texto apresenta reflexões sobre as produções artísticas Alice, Hapt, Paragem, desenvolvidas no projeto Corpos Heterotopos: ação, projeção, ocupação, concebido pelo Grupo de Pesquisa de Performance de Porto Alegre/RS, geperformancepoa.[4]
Corpos heterotopos: ação, projeção, ocupação nasceu de um intenso processo de pesquisa e criação do coletivo no ano de 2009, configurando-se em uma série de proposições artísticas que alcançam situações performáticas distintas e conceitos operatórios aproximativos.[5]
As produções, aqui analisadas, exploram situações dos corpos em performance entre espaço físico e virtual, em presença e não-presença, proximidades e distanciamentos, manifestos em experiência heterotópica[6].
O projeto Corpos heterotopos: ação, projeção, ocupação foi concebido inicialmente para ocupação do espaço de exposição do Museu de Arte Contemporânea de Jataí/GO, Brasil, no Programa de Exposições do edital 2009[7], com o tema “Como você ocuparia/desocuparia este lugar? – ou ainda “Qualquer um poderia ter nascido Sophie Calle...”
Nas discussões acerca do tema ocupação, a distância geográfica entre espaços territoriais, Porto Alegre/RS e Jataí/GO, tornou-se elemento de destaque e motivador, provocando a pesquisa e criação artística em torno de dispositivos e formatos de ocupação que pudessem ultrapassar a experiência do corpo em performance em território localizado.
O projeto expandiu-se  atravessou  as paredes fechadas do Museu e alcançou formas de ocupação extra-muros, atingindo espaços urbanos, públicos e privados, vindo constituir-se em ações onde corpos e espaços atingem dimensões físicas e virtuais, com atuações simultâneas, em ações realizadas em Porto Alegre, no Museu Joaquim José Felizardo, Museu de Porto Alegre[8], no Museu de Arte Contemporânea de Jataí, e em espaço urbano e privado.
Em Alice, dois corpos lançam-se na aventura da descoberta do espaço em performances interligados ao vídeo. A  ação inicia quando um corpo(videoperformer Niura), com a câmera de video acoplada, caminha sobre folhas secas com estalar quebradiço. Em seguida, outro corpo(performer Patricia), parado no meio de pequenas gramíneas verdes, está a sua espera. Neste momento em busca do encontro com o inesperado, com o acaso, inicia-se o jogo entre os dois corpos e dois espaços. A videoperformer Niura acompanha gravando toda a ação em plano de filmagem de ação contínua, plano-seqüência. Ora se detém sobre as atuações da performer Patrícia, ora experimenta seus atos na imagem-video. Em atuações conjuntas, os dois corpos desvendam os espaços.
Na segunda performance, Hapt, o corpo é tomado como medida das coisas. Um corpo (performer Patricia) adere a parede externa da casa[9], Museu de Porto Alegre e a percorre deslizando, contornando toda sua extensão. A ação é simultaneamente acompanhada por um outro corpo (videoperformer Niura) que  registra as ações, conjugando e alternando planos de câmera, angulações e enquadramentos.
Em Paragem a atuação do corpo em exercício de “paragem” no torreão do Museu de Porto Alegre, pode ser fruido simultaneamente em espaços públicos e privados. O evento foi divulgado com dia e hora do acontecimento, a ser acessado pelo site www.niuraborges.com.br, através de link aberto, por trinta minutos, pela empresa Pública de Processamento de Dados de Porto Alegre / RS – PROCEMPA. O sistema telemático[10]  possibilitou a toda e qualquer pessoa, de qualquer parte do mundo, situada em local distante, acompanhar “ao vivo” a atuação da performer Patricia em Paragem.
Alice, Hapt e Paragem instituem o desenvolvimento da ação performática em dois domínios simultaneamente, o espaço-tempo real e espaço virtual da tecnologia.
Em Alice e Hapt os corpos-video existindo em presença-tele atingiram o processo de ocupação por suas virtualidades – o acontecer aqui e o acontecer acolá, com as gravações projetadas no Museu de Arte Contemporânea de Jataí. O dar-se a ver no exercício de performance em tempo diferido, em presença-tele projetada e atualizada.
Com modo singular de telepresença[11], - aquele em que a fruição da imagem pelo espectador ocorre simultaneamente ao exercício do aqui-agora da performance, Paragem abriu a relação entre o espectador e a performance na dimensão específica da temporalidade – inaugurando, atos em estado “paragem”, do espectador e do performer. Relação aproximativa, em ato de parada, entre olhante e olhado.
O momento de atuação da performer na resistência ao movimento do corpo, unindo a “paragem” do espectador, pelo momento do ver,  o corte no fluxo temporal, a inversão dos ritmos corporais preestabelecidos, abrindo a porta da sensibilidade a percepção, com gesto, pensamento e sentimento.
Pensando como Deleuze[12], a imagem-movimento, vídeo, com a qualidade de imagem-tempo, nos permite retirar a imagem da planitude que a trata como representação, como duplo, imagem especular.
A imagem-vídeo oferece o tempo e abre qualidades à experiência performática, uma possibilidade da vivência em um mundo singular, não o duplo do mundo real, mas um mundo em que o corpo se expande, se ramifica, se faz presente por ações e projeções. “As imagens – as coisas visuais – são sempre já lugares: elas só aparecem como paradoxos em atos nos quais as coordenadas espaciais se rompem, se abrem a nós e acabam por se abrir em nós e com isso nos incorporar.”[13]
A imagem-tempo, pelo movimento, abre um sentido outro à percepção, aproximando a visão do tato. Como considera Didi Hubermann, constitui-se do derrame pulsional, onde dos abismos do olhar se passa ao ser do corpo. O sentido tátil do olhar, sua dimensão háptica, fazendo grudar o visível na dimensão da carne, do sensível, presentificando o delírio da pele na imagem. [14]
Se a percepção tem a função de “trazer o mundo aqui”, ou seja, dar existência à coisa, a tecnologia vídeo, imagem-tempo-movimento, intensifica esta função. O espaço virtual da tecnologia abre formas de presentificaçao para o corpo. “Os sistemas de realidade virtual transmitem mais que imagens: uma quase-presença.”
Os corpos tangíveis desdobram-se “estamos, ao mesmo tempo, aqui e lá”.[15] O que nos fazem refletir sobre as interdependências, intercruzamentos da tecnologia-corpo, e vice-versa, e, aqui, sobre os limites que constituem a espacialidade. “Nós não podemos mais confinar a corporificação ao corpo, não podemos mais contê-la dentro da pele orgânica, porque as técnicas contemporâneas facilitam a dissolução da distinção mundo-corpo (uma não divisão)…” [16]
Se “presença”, nos remete ao conceito do “estar juntos” em proximidade em tempo e espaço simultâneo, lançamos o corpo sobre espaços abrindo a presença multiplicada, aqui e lá simultaneamente, em deslizamento continuo, no  vai e vem, para dentro e para fora e vice e versa, inventando e reinvintando um outro modo de experienciar o corpo em performance. “Redimensionando a interatividade dos corpos, misturando unipresença física e pluri-presença”, conforme Weissberg.[17]
Atingimos formas de presença em que o corpo se desgarra de sua fisicalidade e voa para além de uma extensão dada. Presença força, presença projetada, presença encarnada, desdobrando-se aqui e lá, visível, sensível e tangível, habitando interior e exterior, dentro e fora, manifestando-se na experiência em sua dimensão heterotópica. Corpos e espaços atravessados pelos investimentos afetivos e emocionais do coletivo.


[1] Videoartista. Mestre em Artes Visuais (UFRGS). Pesquisadora CNPq  Interartes: processos e sistemas interartísticos e estudos de performance: linguagem visual, sonora e audiovisual, UFG/GO. Atua principalmente nas seguintes áreas: Videoarte, Audiovisual Documental, Experimental e Performance.
[2] Atriz e performer. Formada pela Scuola di Teatro Arsenale, em Milão/Itália. Possui experiência profissional Internacional. Pesquisadora CNPq  Interartes: processos e sistemas interartísticos e estudos de performance: linguagem visual, sonora e audiovisual, UFG/GO. Formada em  Ciências Jurídicas e Sociais pela UNISINOS;
[3] Historiadora e performer. Doutora em História pela PUC/RS. Mestre em Sociologia pela UFRGS. Socióloga do NPH (UFRGS) Trabalha com estudos de Historia oral e Migraçao.
[4] Coletivo autônomo de formação multidisciplinar. Formado pelas artistas e pesquisadoras, Fernanda Stein (dança) Niura Borges (artes visuais) Patricia Soso (teatro) e Rosemary Brum (história)
[5] O projeto contou com as produções Eu Estou Aqui, Inserção de sons na programação de rádio e Mapas.

[6] O termo é utilizado a partir da acepção de Michel Foucault: a heterotopia como uma organização espacial com certa propriedade de estar em relação com todas as outras organizações espaciais e com uma certa sinergia capaz de produzir um campo espacial nômade. Foucault, Michel. Of other spaces:uf utopias and heterotopias. In LEACH,Neil. Rethinking architeture: a reader in cultural theory. London: Routledge, 2002.

[7] Curadoria do antropólogo, historiador, Prof. Dr. Marcio Pizarro, com o tema “Como você ocuparia/desocuparia este lugar? – ou ainda “Qualquer um poderia ter nascido Sophie Calle...”
[8] Espaço físico escolhido para a atuação por qualidades afetivo-arquitetônicas e históricas.
[9] Construído em meados do século XIX, originariamente foi residência da família Lopo Gonçalves.

[10] A telemática pode ser definida como a área do conhecimento humano que reúne um conjunto e o produto da adequada combinação das tecnologias associadas à eletrônica, informática e telecomunicações. aplicados aos sistemas de comunicação e que se caracteriza pelo estudo das técnicas para geração, tratamento e transmissão da informação, na qual estão preservadas as características de ambas, porém apresentando novos produtos derivados destas.
[11] Foi Robert Heinlein, em seu romance Waldo, da década de 40, quem primeiro utilizou o conceito de telepresença. Tele-presença, definida aqui, como uma presença por projeção imagética.

[12] DELEUZE, Gilles. Cinema II: a imagem-tempo. São Paulo: Brasiliense, 1990.
[13] DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos, o que nos olha. Editora 34:São Paulo. 1998.
[14]  idem.
[15] Lévy, Pierre. O que é o Virtual?. Rio de Janeiro: Editora 34,1996. p. 27
[16] HANSEN, Mark. B. N. Bodies in Code. Interfaces with digital media. New York, London. Routledge, Taylor and Francis Group.  2006. p.94.
[17] WEISSBERG, J-L. Présences à distance. Paris: Harmattan, 1999. p. 247


[1] Curadoria do antropólogo, historiador, Prof. Dr. Marcio Pizarro, com o tema “Como você ocuparia/desocuparia este lugar? – ou ainda “Qualquer um poderia ter nascido Sophie Calle...”

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